quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Caramelo nosso de cada dia


Mondo Cane
Por Michel Blanco
"Um cachorro se deita ao lado da cova rasa de uma das mais de 800 vítimas das chuvas na região serrana do Rio de Janeiro. Mal sabia que o descanso inadvertido em campo-santo comoveria o país. Fotografado e confundido com outro vira-lata, foi alçado à condição de herói pela imprensa. Nem os cães estão a salvo de um instante paparazzi.
Antes de se provar uma tremenda “barriga”, a história de Caramelo e seu sósia rendeu horas de trabalho jornalístico na busca por um fato novo em meio à contagem de corpos da tragédia. Ao fim, confirmou-se uma ligação entre bichos e os casos mais célebres de deslizes da mídia brasileira.
Não que os vira-latas sejam indignos de nota. São companheiros fiéis, ora. O verdadeiro Caramelo foi encontrado por bombeiros quando escavava a terra que soterrou seus quatro donos. Acabou indicando o paradeiro dos corpos aos homens do resgate. O outro, primeiramente batizado Leão e depois Joe, acompanhava o dono que se voluntariou para ajudar a sepultar os mortos.
Mas a atenção exagerada aos cães desabrigados pela tragédia cobra uma reflexão — e não apenas nas redações. Somente dias depois de incessante material sobre o perrengue canino fomos informados que quase três mil crianças estavam sem casa só em Teresópolis. A cachorrada chegou antes à condição de vítima, sinal do valor dado à infância. Impossível não lembrar do fino Rock da Cachorra, de Léo Jaime: “Troque seu cachorro por uma criança pobre”.
A empatia provocada pelos bichos é fartamente explorada pela imprensa. Não à toa. Somos cada vez mais ridículos no trato com animais de estimação, elevados à condição de filho mimado. Humanizamos a relação com os bichos ao mesmo tempo que é lugar comum da vida urbana queixar-se da deterioração de relações interpessoais. Culpa do comportamento animalesco de alguns, alguém pode dizer. Afinal, nem todo mundo é fofo.
Buscamos nos cachorros aquilo que parecemos ser incapazes de oferecer: amor incondicional. Merecem todo afago, pois só mesmo cachorro para nos aguentar. A humanização dos cães pode ser útil, se aprendermos algo com eles."


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